segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Bambuzal de agosto de 2020

Olhando o bambuzal e vendo as folhas caírem. Penso que cada vida menos complexa e dominante terminando e sendo reiniciada pela Natureza mostra a beleza do ciclo da vida que existe.


Ao complicar a morte com medo, pânico ou negação, criamos uma barreira para respeitar o que mesmo com toda magnífica medicina fez pelo prolongamento da vida, a Natureza faz com naturalidade e beleza num ciclo contínuo de existência.


Ao ver novas folhas nascendo no topo do novo broto de bambu e ao ver as folhas caírem, eu agradeço com todo meu coração e sorrio.

sábado, 4 de julho de 2020

DONA S. E OS COOKIES

(conto baseado em fatos reais contados por um amigo que não quis ser identificado)

Em uma quarta-feira as 18h decidi fabricar cookies. Eu odeio cookies. Talvez porque trabalhei numa padaria em que eu passava 14 horas por dia misturando e assando cookies.

Fiz uma bandeja com mais ou menos 16. Misturei manteiga, açúcar, ovo, fermento, pedaços de chocolate meio amargo, não gosto de gotas de chocolate prontas, elas vêm com chocolate hidrogenado que é um lixo e faz muito mal para a saúde. Demoro aqui de propósito para falar do açúcar mascavo que não pode faltar na receita, mas é ele que faz esse doce ser péssimo e óbvio.

A diarista, dona S., chegou na quinta-feira cedo. Saí logo em seguida. Voltei as 17h30, dona S. já havia saído. Lembrei naquele momento que havia esquecido de levar o almoço durante o dia. Dona S. havia comido todos os cookies. 16. Penso que pode ter levado alguns para os filhos. O que ninguém sabe, nem deve saber, é que os cookies levavam um pouco de cannabis, eram “space cookies”.

Dona S. nunca mais voltou. Liguei no dia seguinte para saber se estava tudo bem e se ela tinha conseguido chegar em casa depois de alguns cookies mágicos. Ela me disse que sim, não comentou nada sobre os efeitos, mas nunca mais voltou.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

A morte

A morte é uma pessoa que chega numa festa, vestida de branco ou de colorido. Avista as pessoas, escolhe quem vai consigo. Não é bem-vinda aos que estão na festa, mas sempre aparece sem ser convidada.

Nunca pede permissão para entrar, muito menos para sair. O mais mágico é sua presença no ambiente. Enquanto ela está ali, todos sabem, todos sentem, todos a veem, mas ela é tratada como errante. Talvez tenha vindo até a festa errada, mas ela não erra endereço, dia e nem a dança, e como dança!

Enche o ambiente com sua presença, causando um desconforto secreto em todo mundo. Não tem quem não a veja, até as crianças antes de falar já sabem que ela está ali, pois fala alto, dança majestosamente zombando da nossa falsa insensibilidade.

No momento em que sai pela porta da frente levando um dos convidados consigo, nos deixa deprimidos e ocos, mas secretamente ficamos aliviados com aquela tensão causada pela falta de nexo da sua presença indesejada e ao mesmo tempo sabida e há muito tempo esperada.

Leva consigo a tensão, a ansiedade, mas em troca, leva alguém. Crua, bate na nossa testa e diz em um olhar: estou apenas fazendo meu trabalho.

Boa viagem!

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Beba o vinho

Tudo um dia deixará de existir, beba o vinho.

Por mais bem construído, por melhor pensado, por mais bem projetado um dia o prédio virará pó, as pessoas que você conhece morrerão, as plantas e as flores secarão, os carros, as bicicletas, os eletrodomésticos, os parafusos, as portas pararão de funcionar, por mais bem construído, pensado e elaborado tudo é temporário e deixará de existir. Um dia tudo o que você conhece não vai mais existir. Em 1, 5, 10, 100 ou 5000 anos.

Por isso viva o agora, hoje, o minuto, o segundo, o presente. Abra o vinho, pegue o avião, saia mais cedo, brinque com ele, brigue com ele, não deixe pra amanhã. Aquele vinho não está esperando uma ocasião especial, não existe ocasião especial. Aquela viagem não tem hora certa, a hora certa é hoje. Talvez a melhor ocasião do futuro seja tão boa pela ansiedade expectativa criada agora, hoje, pois a única coisa que existe é hoje, tudo é temporário, todas as pessoas, animais, coisas virarão pó e as tabuletas que lembrarão essas coisas e pessoas um dia cairão e darão lugar a outras tabuletas de coisas que ainda não existem e que um dia existirão e depois deixarão de existir também.

Algumas coisas, por algum acaso, azar ou desastre deixarão de existir antes do seu tempo de duração, e as outras mesmo com toda a sorte um dia também sumirão. As pirâmides virarão pó, as religiões darão lugar a outras religiões, os prédios serão demolidos, todos. Por isso desça do cavalo, tire o blazer, abra os botões, deixe os broches, as abotoaduras, os saltos, os títulos, a goma, abandone tudo, tudo isso não será nada em pouco tempo, só sobra você hoje, o tempo de agora, mais nada.

Beba o vinho.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A loja de molduras - 07/02/2017

Naquela loja de molduras com uma bandeira do Uruguai trabalha uma família, são dois filhos: um menino e uma menina. Ele deve ter uns 23 e ela uns 18. Lá dentro se fala aquele espanhol cantado, lindo de Montevidéu (entre eles). Com os clientes é em português. A senhora, uma gorda, alta e de cabelos longos encaracolados, tem uma voz alta, um tom acima do necessário. Mas é uma voz maravilhosa, acolhedora, sensível, a voz perfeita para se escolher molduras. No balcão do caixa fica o filho, estudando matemática e na vitrine está a filha, limpando os vidros dos mostruários de quadros. Atrás da loja, depois de uma divisória baixa, que não chega ao teto, mas cobre a visão, fica o pai. Um senhor baixo, careca e com um tom de voz grave, quase afônico. É ele quem dá a palavra técnica sobre o vidro perfeito, a moldura que cabe, o passe-partout mais indicado. Aquele carpete verde desbotado do chão não imagina o que vai acontecer.

Quando vou buscar meus quadros descubro que mãe havia morrido há 2 semanas. Tinha sido a última moldura escolhida por ela. Onde mais haverão vozes como a dela para me orientar? E todas as outras pessoas com pinturas, fotos, diplomas, camisetas de bandas que ainda precisarão ser enquadradas? Que voz faria a orientação delas? São quadros que nunca conhecerão a perfeição daquela voz aguda, antipática para tudo, mas perfeita para se escolher molduras.


quinta-feira, 19 de maio de 2016

O protesto de Martin Konrotea no festival de cinema


Era uma vez Martin Konrotea, nascido na Ilha de Timbuktu, arquipélago de Ubuntuaka.
Martin faz parte da terceira geração de uma família de artistas de Timbuktu. Seu avô iniciou a família como um dos maiores intérpretes da música típica da ilha, seus tios e pai fizeram carreira como ator, cineasta e músicos, já Martin foi além, ainda adolescente foi para a Europa estudar artes cênicas. Voltando ao arquipélago, fez sucesso ao atuar como protagonista de filme épico baseado em um texto milenar da cultura timbuktuana. O longa-metragem foi traduzido para diversos idiomas e o canal que o produziu fez fortuna em Ubuntuaka com as vendas dos direitos.
Logo vieram os convites para Martin voltar à Europa, onde filmou curtas cult, depois alguns filmes mais comerciais na França, até que chegou à Hollywood! Que sucesso! Martin virou o orgulho de Timbuktu. Era o queridinho dos estúdios! Seu avô até então com fama restrita ao Oceano Índico, se tornou um músico famoso, agora cultuado por músicos pop da Europa, Ásia e Américas.
Martin se tornou estrela, se naturalizou americano, comprou uma casa em Los Angeles, casou-se com uma atriz sueca, teve 3 filhos americanos. Mas seus traços fortes, sempre lembravam a todos sua origem ilhéu. Exótico, chegou a ser indicado ao Oscar quando dirigido pelo grande Robert Smithson.
Em meio aos ups and downs da sua vida artística e pessoal, Martin virou um símbolo intelectual, não só americano, mas dessa mescla cultural que congrega tantos artistas e pensadores vivendo o American Way of Life, talvez ainda a única grande ideologia do século XX em funcionamento.
Martin se divorciou, casou mais 2 vezes, mudou para Nova Iorque, onde conheceu Lisa Belt, uma jazzista low-profile, professora da Macbeth School of Arts, com quem se casou pela quarta vez.
Timbuktu ficou distante, a nova geração já pouco conhecia o outrora símbolo e orgulho do arquipélago, que passava por um momento de caos. O governo havia criado um rombo nas contas, estragando a economia de todas as ilhas de Ubuntuaka, deixando milhares de desempregados, parando a Indústria, atrapalhando investimentos no Turismo e transformando um paraíso em um lugar perigoso e espinhoso para todos, turistas, investidores e habitantes.
Ao mesmo tempo em que assistia ao seu país entrar num caos completo, Martin foi lembrado pelo já consagrado cineasta Udo Strauss, com quem filmou um belíssimo filme em Timbuktu que falava justamente sobre a decadência da ilha, mas com olhar minimalista, discutiu e expôs a hipocrisia do arquipélago elitista e classista, agora mergulhado em conflitos entre ricos e pobres, esquerda e direita, liberais e socialistas. O filme de Strauss toma força pela forma certeira como atinge o alvo, afinal todos querem saber, todos querem entender o caos que vive hoje Timbuktu.
Martin aparece no topo das listas de entrevistados, volta à CNN, BBC, The New York Times.
Exótico!
Maravilhoso!
Atuação impecável!
O filme é indicado ao Grand Prix de Toulouse! Martin Konrotea retoma seus tempos de glória e está de novo nos tapetes vermelhos do Cinema!
Maravilhoso!
Na avant-premiere de Toulouse, Martin e Strauss, estão emocionadíssimos e ufanados de si protestam contra os rumos que sua Ilha de Timbuktu está tomando.
Um jovem ilhéu orgulhoso vê o nome de seu arquipélago no palco do mundo, e pergunta a sua mãe:
- Quem é Martin Konrotea, mãe?
- Um homem que acha que é daqui, meu filho.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Los Angeles de 20/12/2014


Eu vi Blake Lively grávida 
Um mexicano de 4000 anos
De Niro saindo pra andar no parque
Uma atriz no caixa do outlet
O in-n-out no breakfast 
Benicio del Toro e coreanos no Chateau Marmont
Aí já tirei uma foto com um papai-noel negro na La Brea
Que tem a melhor padaria francesa fora da França 
Um Mustang alugado
Um Best Western com vista pra Hollywood sign em Koreantown
Te amo air dry car wash
Los Angeles
See you soon