terça-feira, 27 de novembro de 2007

Café da manhã no Mafalda

Entre as sete e meia e oito da manhã, Maria Augusta, uma menina bonita, alta, magra, com nariz batatudo o suficiente para agradar a qualquer caça-modelos descia do Ligeirinho no tubo “Círculo Militar” e andava em direção ao Mafalda. Bem vestida, de calça preta, camisa branca engomada, sapatos altos, brincos de argolas, cabelo preso e maquiagem para o olhar de qualquer homem, até os desapercebidos que andam neste horário perto do Círculo Militar. Eu andei mais rápido, porque era difícil de acreditar, ela estava indo em direção ao Mafalda mesmo! Que estaria fazendo, eles nunca abriram para o café da manhã. Eu, você, Maria Augusta, o mundo inteirinho sabe que o Mafalda é um restaurante um tanto quanto boêmio, até no almoço. Até a alface do buffet do almoço já parece entender que ali dentro o dia tem cara de noite e o Mafalda não abre para o café da manhã. Eu estava sonhando, só podia ser! Não seria possível, e comecei a correr, e já suando alcancei Maria Augusta.

- O que você está fazendo aqui essas horas?
- Eu quero ir! Me deixe ir!

E soando quase como se fosse uma mãe, um pai eu falei baixo com os dentes cerrados:

- Maria Augusta Fagundes, o Mafalda não abre para o café da manhã!
- E daí? Eu vim buscar uma coisa que esqueci! Me larga, André!

Já segurava seu braço esquerdo e sentia o perfume exagerado e de feitiço que vinha do seu pescoço ainda branco da maquiagem. Ela tinha um olhar vazio, procurava entre as grades do portão uma chance para alguém vê-la. Mas certamente nem o vigia da noite estaria ali àquela hora. Então falei de uma vez:

- Guta, querida. Deixe. Eu venho aqui na hora do almoço e busco essa coisa sua.
- Você não busca nada.

Eu começava a sentir ciúme. Porque só tinha uma forma de ter esquecido alguma coisa no Mafalda, tendo ido lá. Não somos namorados, nada mesmo. Aquilo me intrigou. Eu estava começando a perder a paciência e decidi mais uma vez fazer uma incursão nos pulos que Maria Augusta já dava.

- Maria Augusta, só me diga o que você esqueceu aqui ontem à noite, eu busco para você.
- André, o que eu esqueci ontem a noite aqui não é segredo algum. O mistério é como não lembrar que estivemos aqui ontem. - terminou esse "ontem" com uma voz fina e colada num ponto de semi-interrogação.

O que ela havia esquecido era o boné que eu havia dado ontem mesmo. Um que disse que comprei em Málaga para ela em agosto.
Desenho de Adrian Tomine.