terça-feira, 6 de outubro de 2009

Pinga ao meio-dia

Em algum ponto do ano passado escrevi algo sobre a crise global que quebrou o Lehmann Brothers e levou o mundo ao pânico generalizado, que essa nos levaria a um ponto novo de consciência humana e pelo jeito aqui estamos. É só ligar a televisão e abrir os jornais de todo o mundo, inclusive os brasileiros, para ler colunistas falando do valor de coisas pequenas como almoçar no domingo com a família. Há males que vêm para o bem. Aos que adoram gastronomia como eu, não deixem de assistir o programa "No Reservations" do Tony Bourdain no episódio sobre o Uruguai e escutar do começo ao fim o chef preferido de Nova Iorque, o berço da crise, falar exatamente disso.

Convivi com muita gente inteiramente infeliz e muitíssimo rica, mas que se levava pelo parecer feliz e não pela real felicidade. A velha história do "viver de aparências" também serve para as aparências sentimentais e não somente materiais. Na busca por salários e lucros cada vez maiores, tudo em nome de um conforto que não satisfaz: ter um carrão esportivo e uma casa no bairro mais caro. Quando na verdade sentiam a necessidade louca de almoçar no domingo com a mãe, mas isso não lhes era possível. Que droga de vida é essa que se vive em busca de uma coisa que não se quer? Não falo do cotidiano cansativo do trabalho, falo do descanso estressante do final de semana repleto de coisas desnecessárias e que não vão trazer nenhum segundo de felicidade, e para isso: felicidade em comprimidos.

Um dia um diretor de uma empresa me disse que tinha de ganhar bastante pois chegava em casa todos as sextas-feiras e decidia que era a última semana de trabalho, mas aí lembrava de quanto ganhava e ficava. Em nome do status. Convivi com alguns executivos, os vi trabalhando e os vi não trabalhando também. Vi muita gente que realmente acredita nos negócios que faz, mas muito mais gente que "vai no vácuo" e simplesmente não trabalha, suga um salário, faz o mínimo possível e vive completamente infeliz porque não acredita no que faz.

Por deixar tudo isso mais claro acho que a crise serve, e nos mostra que o mundo corporativo está cheio de mofo e sua forma na sociedade deve mudar com as pessoas. Já vemos os primeiros sinais nas grandes empresas, potencializado pelo fluxo de investimentos positivos no Brasil, a movimentação entre organizações e a abertura de novos negócios se multiplica. Ganhar, consumir, ganhar, consumir, ganhar e consumir parece não mais suprir, "é preciso um projeto de vida" - nos escreveu Santa Martha Medeiros (Zero Hora - 27/09/2009).

Vi um pedreiro tomar uma pinga na hora do almoço no balcão de um boteco em que almoço e pensei que o dinheiro que deveria me libertar e abrir novas possibilidades, na realidade aprisiona, pois entre eu e o pedreiro, que com certeza ganha muito menos, fico com ele, que pode tomar uma pinga ao meio-dia, eu não.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Cheguei até aqui a partir do comentário que você no site da revista Trip.

Impressionante como me identifiquei com as suas palavras, deu um nó na garganta quando li isso: “quando na verdade sentiam a necessidade louca de almoçar no domingo com a mãe, mas isso não lhes era possível.”

Há 10 anos vim para São Paulo trabalhar e consequentemente “melhorar” minha vida. Mas não foi bem assim, em troca de uma vida financeiro melhor, tive os piores efeitos colaterais que se possa imaginar, senti as piores emoções que alguém poderia sentir em tão pouco tempo.

Eu também queria ter essa liberdade do pedreiro, fazer coisas durantes a semana que só nos finais de semana eu posso fazer. Pegar um cinema numa tarde de uma segunda-feira cinza. Poder esticar uns minutos a mais o horário do almoço para finalizar a conversa com um amigo.
Isso não é possível pq simplesmente troco contra minha vontade de fazer tudo isso por um salário no final do mês.

4:52 PM  

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