quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Cabral – Portão, seis e trinta e quatro

Curitiba acrescentou a um homem falante, extrovertido e bem-humorado a vocação de comprar todos os dias o jornal com o mesmo jornaleiro durante quinze anos sem saber o nome do jornaleiro.

Há explicações sociológicas, históricas que se referem à origem eslava, leste europeu. A tão erótica nação de loiras estonteantemente lindas e silenciosas. E Curitiba é uma loira estonteantemente linda e silenciosa, onde ninguém xinga o furão de fila no supermercado e nunca buzina no trânsito. A primeira vez que entrei num Cabral - Portão as seis e trinta e quatro da tarde me assustei ao conseguir ouvir lá de trás o câmbio do ônibus ir de marcha em marcha. E não adianta nascer nordestino, isto lhe é acrescentado de alguma forma, o silêncio curitibano é viral e lhe toma de sintomas.

Eu me apaixonei pela loira assim que pisei na Avenida das Torres, era terça-feira pela manhã, junho, vindo do Afonso Pena, depois de umas conexões entre Maceió e Curitiba, VASP. Fui morar perto do trilho na Flavio Dallegrave, não demorou uma semana para conhecer a costela borboleta do Tartaruga, virou atividade, segunda e quarta a noite e sábado na hora do almoço. Criei uma relação afetiva com o lugar, me apaixonei mesmo, já tive a crise, mas meu paladar decidiu continuar. Passava pelo centro com freqüência semanal e via na esquina aquele lugar apertado, um vidraço de rollmopz me atraía o campo de visão para o balcão e meia dúzia de gente em pé. Alguns anos passados e um dia acabei indo trabalhar na Carlos de Carvalho quase com a Visconde de Rio Branco, uma quadra pra frente, a esquina. Acabei tendo minha atividade noturna continuada as sextas, “Distinto?” – me perguntava o então chefe. “Distinto?” – eu. “É. O ali na esquina com a Saldanha Marinho. Pequeno...” – meu chefe. Finalmente entrei e bebi. Hoje me sinto melhor que qualquer um quando peço palmito de vaca ou queijinho minas, que não tem no cardápio. O vento que encana (sempre) pela fresta da porta do Distinto é o mesmo que espalha o cheiro da borboleta do Tartaruga e que batia na minha nuca naquele Cabral – Portão, e esse vento, meu amigo, é a alma da loira, e só tem aqui, não tem jeito.


Ilustração de Poty Lazzarotto no livro "Em busca de Curitiba Perdida", de Dalton Trevisan.