quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A loja de molduras - 07/02/2017

Naquela loja de molduras com uma bandeira do Uruguai trabalha uma família, são dois filhos: um menino e uma menina. Ele deve ter uns 23 e ela uns 18. Lá dentro se fala aquele espanhol cantado, lindo de Montevidéu (entre eles). Com os clientes é em português. A senhora, uma gorda, alta e de cabelos longos encaracolados, tem uma voz alta, um tom acima do necessário. Mas é uma voz maravilhosa, acolhedora, sensível, a voz perfeita para se escolher molduras. No balcão do caixa fica o filho, estudando matemática e na vitrine está a filha, limpando os vidros dos mostruários de quadros. Atrás da loja, depois de uma divisória baixa, que não chega ao teto, mas cobre a visão, fica o pai. Um senhor baixo, careca e com um tom de voz grave, quase afônico. É ele quem dá a palavra técnica sobre o vidro perfeito, a moldura que cabe, o passe-partout mais indicado. Aquele carpete verde desbotado do chão não imagina o que vai acontecer.

Quando vou buscar meus quadros descubro que mãe havia morrido há 2 semanas. Tinha sido a última moldura escolhida por ela. Onde mais haverão vozes como a dela para me orientar? E todas as outras pessoas com pinturas, fotos, diplomas, camisetas de bandas que ainda precisarão ser enquadradas? Que voz faria a orientação delas? São quadros que nunca conhecerão a perfeição daquela voz aguda, antipática para tudo, mas perfeita para se escolher molduras.